sexta-feira, 21 de agosto de 2015

CRÔNICA

Os sabiás voltaram
           
Às quatro horas da manhã, ao acordar, tenho a maravilhosa surpresa do som melodioso do canto de um sabiá, (Turdus rufiventris) interrompendo o silêncio da madrugada, entre os galhos  de uma sibipiruna. Segundo a crença Tupy, o sabiá é “aquele que reza muito”.  As árvores que enfeitam as ruas de São Bernardo do Campo são na maioria as sibipirunas, mas há também as uvalhas, as jambolão, as quaresmeiras e as palmeiras gerivá, oriundas do Bioma Mata Atlântica; além de outras menos notáveis.  Toda essa nomenclatura arbórea me fora informada gentilmente pelo biólogo e detentor de outros talentos, o meu amigo José Vieira, durante os anos em que juntos trabalhamos.
            Os sabiás irradiam poesia nas primeiras horas da manhã, em que o negrume do asfalto e o silêncio soturno do período nos oprimem a alma. O título deste texto é uma retrospectiva a uma música que fizera muito sucesso, lançada acerca de três décadas passadas, pelo Trio Parada Dura, intitulada “As andorinhas voltaram”, sendo que as andorinhas são pássaros migratórios, por isso o verso diz: “As andorinhas voltaram”. Quando digo que os sabiás voltaram, significa que eles voltaram a cantar, pois eles  são sedentários e têm o período certo do ano em que cantam e encantam ouvidos e mentes de pessoas que como a mim os admiram.
            A partir do início do mês de agosto até o final de dezembro eles cantam muito, em  vários e diferentes acordes, sendo que a fêmea canta numa freqüência bem menor que o macho, diferente de outros pássaros que possuem um único cantar, invariável. Pelo canto os sabiás secundam os humanos quando querem chamar à atenção uma mulher, desde exibir os músculos adquiridos em uma academia ou outro qualquer atrativo que funcione segundo a intuição de cada um; o sabiá canta para demarcar território e atrair a fêmea para o amor, o acasalamento e a seguir constroem seus ninhos e criam seus filhotes preparando-os para serem adultos no próximo ano. Conforme nomenclatura, assim como os papagaios, os sabiás são fieis  por toda a vida, sendo que só há  a  separação do casal  pela morte de um deles.
            Os sabiás têm a plumagem predominantemente na cor marrom claro, parecido com chocolate, nas costas e de um alaranjado a vermelho ferrugem na barriga, tanto os machos quanto as fêmeas.  Eles se alimentam de frutos, sementes e insetos que encontram nos galhos das árvores e no solo entre folhas secas das florestas ou nos gramados e ainda nos canteiros de flores e nesse particular eles se diferem dos outros pássaros, pois ciscam  como as galinhas em busca de minhocas e outros insetos, pude observar isso no canteiro de flores de minha mãe, a dona Rosa, sendo que após a visita dos sabiás ela recolhe a terra que eles jogaram no piso do corredor, de volta ao canteiro.
            Os sabiás são graciosos também quando caminham pelo solo, eles se movem aos pulinhos intercalados por breves pausas e agitar frenético e gracioso da cauda. Ano passado, certa manhã eu caminhava pela calçada de uma rua próxima de onde moro e para feliz surpresa levantei a vista para o galho de uma sibipiruna e lá estava a mãe, orgulhosa, na borda do ninho e quatro delgados pescoços em riste rumo ao infinito sendo alimentados, fiz uma foto com o celular e senti ter ganho o dia. Esses pássaros  me encantam desde os meus oito anos de idade, era novembro, fim do meu segundo ano escolar, ao subir ao topo de uma mangueira em busca das primeiras mangas que amadureciam, descobri um ninho com quatro filhotes, e ao me aproximar escancararam os bicos, na expectativa de que a mãe se aproximava para alimentá-los, se enganaram e eu sabendo estarem famintos, amassava as formigas doceiras que passeavam pelos galhos da mangueira e as depositava direto nas gargantas dos filhotes até que a mãe aparecia com piados lamentosos e ameaçadores e me expulsava mangueira abaixo.
            Em sendo o sabiá o nosso personagem, não podemos nos esquecer do poeta Gonçalves Dias, quando em seus amargos dias no exílio, escrevera o celebre e inesquecível poema que iniciava pelos seguintes versos: “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá”.       

Enéas Antonio Pires