sexta-feira, 21 de agosto de 2015

CRÔNICA

Os sabiás voltaram
           
Às quatro horas da manhã, ao acordar, tenho a maravilhosa surpresa do som melodioso do canto de um sabiá, (Turdus rufiventris) interrompendo o silêncio da madrugada, entre os galhos  de uma sibipiruna. Segundo a crença Tupy, o sabiá é “aquele que reza muito”.  As árvores que enfeitam as ruas de São Bernardo do Campo são na maioria as sibipirunas, mas há também as uvalhas, as jambolão, as quaresmeiras e as palmeiras gerivá, oriundas do Bioma Mata Atlântica; além de outras menos notáveis.  Toda essa nomenclatura arbórea me fora informada gentilmente pelo biólogo e detentor de outros talentos, o meu amigo José Vieira, durante os anos em que juntos trabalhamos.
            Os sabiás irradiam poesia nas primeiras horas da manhã, em que o negrume do asfalto e o silêncio soturno do período nos oprimem a alma. O título deste texto é uma retrospectiva a uma música que fizera muito sucesso, lançada acerca de três décadas passadas, pelo Trio Parada Dura, intitulada “As andorinhas voltaram”, sendo que as andorinhas são pássaros migratórios, por isso o verso diz: “As andorinhas voltaram”. Quando digo que os sabiás voltaram, significa que eles voltaram a cantar, pois eles  são sedentários e têm o período certo do ano em que cantam e encantam ouvidos e mentes de pessoas que como a mim os admiram.
            A partir do início do mês de agosto até o final de dezembro eles cantam muito, em  vários e diferentes acordes, sendo que a fêmea canta numa freqüência bem menor que o macho, diferente de outros pássaros que possuem um único cantar, invariável. Pelo canto os sabiás secundam os humanos quando querem chamar à atenção uma mulher, desde exibir os músculos adquiridos em uma academia ou outro qualquer atrativo que funcione segundo a intuição de cada um; o sabiá canta para demarcar território e atrair a fêmea para o amor, o acasalamento e a seguir constroem seus ninhos e criam seus filhotes preparando-os para serem adultos no próximo ano. Conforme nomenclatura, assim como os papagaios, os sabiás são fieis  por toda a vida, sendo que só há  a  separação do casal  pela morte de um deles.
            Os sabiás têm a plumagem predominantemente na cor marrom claro, parecido com chocolate, nas costas e de um alaranjado a vermelho ferrugem na barriga, tanto os machos quanto as fêmeas.  Eles se alimentam de frutos, sementes e insetos que encontram nos galhos das árvores e no solo entre folhas secas das florestas ou nos gramados e ainda nos canteiros de flores e nesse particular eles se diferem dos outros pássaros, pois ciscam  como as galinhas em busca de minhocas e outros insetos, pude observar isso no canteiro de flores de minha mãe, a dona Rosa, sendo que após a visita dos sabiás ela recolhe a terra que eles jogaram no piso do corredor, de volta ao canteiro.
            Os sabiás são graciosos também quando caminham pelo solo, eles se movem aos pulinhos intercalados por breves pausas e agitar frenético e gracioso da cauda. Ano passado, certa manhã eu caminhava pela calçada de uma rua próxima de onde moro e para feliz surpresa levantei a vista para o galho de uma sibipiruna e lá estava a mãe, orgulhosa, na borda do ninho e quatro delgados pescoços em riste rumo ao infinito sendo alimentados, fiz uma foto com o celular e senti ter ganho o dia. Esses pássaros  me encantam desde os meus oito anos de idade, era novembro, fim do meu segundo ano escolar, ao subir ao topo de uma mangueira em busca das primeiras mangas que amadureciam, descobri um ninho com quatro filhotes, e ao me aproximar escancararam os bicos, na expectativa de que a mãe se aproximava para alimentá-los, se enganaram e eu sabendo estarem famintos, amassava as formigas doceiras que passeavam pelos galhos da mangueira e as depositava direto nas gargantas dos filhotes até que a mãe aparecia com piados lamentosos e ameaçadores e me expulsava mangueira abaixo.
            Em sendo o sabiá o nosso personagem, não podemos nos esquecer do poeta Gonçalves Dias, quando em seus amargos dias no exílio, escrevera o celebre e inesquecível poema que iniciava pelos seguintes versos: “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá”.       

Enéas Antonio Pires

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Acenos

ACENOS

Deslizando no negrume da avenida
Pela manhã absorto em pensamento
Súbito irrompe em breve momento
Frondosa espirradeira colorida.

Além, a majestosa Mantiqueira
Qual severa tempestade em formação
Dos cumes irregulares,  rés do chão
Serpenteia verde e alvissareira

À meia distancia há os arrozais
Tremeluzindo ao querer da brisa
Prometendo o pão à mesa aos comensais

Qual serpente se espalha na imensidão
Silencioso incólume o Paraíba
Irrigando das bordas a vastidão.
                                          Enéas


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

DESBRAVANDO

DESBRAVANDO     

A humanidade já galgou espaços
Evolui sempre em busca de quimeras
Sonhava em conquistar desde outras eras
Tendo a imaginação, régua e compasso.

Buscando incansavelmente a perfeição
Da nave que conduz pro espaço estranho
Há anos luz das páginas de antanho
Prenunciam a iminente imigração.

Querendo povoar outra galáxia
Desafiando o seu desconhecido
Jogando entre a vitória e a falácia.

E assim caminha entre a desonra e a glória
O homem ora perdendo, ora ganhando
Deixando com o seu rastro  a sua história.


 Regras do Soneto: Composto por dois quartetos e dois tercetos, totalizando 14 versos poéticos em que cada verso tenha 10 silabas poeticas, sendo que a 11ª não se conta.
Deve ter rima, nesse caso com as combinações:  ABBA para os quartetos e CDC para os tercetos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012



BREVE INCURSÃO EM GARIMPOS DE SELVA
Cronica
            Foi uma viagem atípica, de contrastes ante a beleza e exuberancia da floresta e rios amazônicos e os perigos inerentes à maneira de viver e trabalhar naquele espaço quase inóspito da selva amazônica. Chamou-me à atenção o grande afluxo de pilotos e mecânicos de aviões à região dos garimpos de ouro no entorno da cidade de Itaituba, no sul do Estado do Pará, já que o acesso às lavras do garimpo só era possível a bordo de aviões monomotores, pela distancia e imensidão da floresta.
            No final do ano de 1981 brevetei-me piloto comercial de avião tendo passado por dificuldades financeiras pelo alto custo do aprendizado, eu tinha em mente trabalhar como piloto para satisfazer o ego e tambem ganhar dinheiro já que nos garimpos os pilotos sobreviventes ganhavam muito bem. Digo “sobreviventes” porque eram muitos os que morriam em acidentes, pelo quanto eram arriscadas e perigosas as operações nas pistas de grarimo. Em contato com os irmãos Paulo e Renato, meus primos, que para lá rumaram havia algum tempo em busca de trabalho, pois eram mecânicos de aviões e tornaram-se arrendatários de oficina de aeronaves na Empresa Crepuri Taxi Aéreo, cuja frota era composta por 12 aeronaves, sendo: 6 Cessna 210,  4 Minuano e 2 Carioca.  Resolvi conhecer e sondar as possibilidades de trabalhar como piloto, apoiado por meus primos.          
            Viajei de Araçatuba, cidade natal de meus primos e seus familiares com destino a Cuiabá, capital de Mato Grosso, em companhia do Renato, o mais novo dos dois irmãos, a bordo de um avião turbo-helice, modelo Fokker da empresa aérea TABA, Transporte Aéreo da Bacia Amazônica, e de lá, pela mesma companhia, seguimos até Itaituba, num aparelho também Fokker, porem muito mais velho e barulhento que o anterior, esse não tinha comissárias de bordo, só comissários. Nesse voo, eu e Renato esvasiamos uma garrafa de natu nobilis,  pois comecei a sentir os primeiros sinais do local hostil ao qual eu me dirigia  já na escala do voo na cidade de Alta Floresta, com pista de pouso asfaltada e acomodações do aeroporto construidas em madeira, tendo dos dois lados da pista de pouso a floresta densa com enormes troncos de arvores. No momento do pouso estavamos sob chuva moderada, quando encostou ao lado do avião o caminhão tanque com o combustível Jet A1, querosene de aviação e o abastecedor com um guarda chuva protegendo a entrada do tanque sobre a sas do avião, o abasteceu.
            Não posso me esquecer de que as  minhas passagens aéreas foram custeadas pelo Renato, meu primo e companheiro de viagem, tal era crítica minha situação financeira no ato da viagem. Tentei ressarci-lo dos custos tempos depois porem ele não o aceitou. Durante os dois voos, solicitei aos comandantes viajar na cabine, e fui autorizado por ambos, pois eu estava ávido por saber o quanto possível sobre os voos naquela região de floresta, e tive muita receptividade de ambos durante os voos.          
            Chegando em Itaituba fui hospedado na casa de meus primos, não posso esquecer de que o Zezinho, irmão cacula dos dois também dividia a moradia e o trabalho com eles. Itaituba é localizada à margem esquerda do rio Tapajós, no Sul do Estado do Pará. Morávamos a menos de 200 metros da margem esquerda do rio, sob um calor insuportável de mais de 40º e lembro me de que para dormir, só o conseguiamos com o ar condicionado ligado a noite toda. Não havia chuveiro elétrico, a água vinda do Rio Tapajós era naturalmente morna.
            Já no meu primeiro dia no local, fiu apresentado a um piloto, o Florindo, um paulista da região Noroeste do Estado de São Paulo que prontamente convidou-me a acompanhá-lo ao primeiro voo do dia a um garimpo que tinha o estranho nome de “invasão” o que denotava hostilidade nas relações humanas, por conflitos de interesses. Esse garimpo fazia parte do complexo de garimpos pertencentes à Fazenda Crepurí. O voo tinha duração de duas horas e meia para ida e a mesma duração na volta, e voávamos a grande altitude e sempre que possível próximo à margem de grandes rios, por prevenção de alguma emergência durante a viagem sobre a floresta, com o rádio de comunicação em frequencia livre, ligado, pois o espaço aéreo na região tinha tráfego intenso. Só o piloto tinha banco e cinto de segurança, eu ia sentado sobre uma caixa de madeira daquelas que acondicionam legumes e o restante do interior do avião era repleto de carga, na maioria das vezes alimentos, gaz de cosinha, combustíveis, ferramentas e outros.
            Ao avistar a pista de pouso não acreditei ser posível pousar no que parecia ser uma estrada de chão batido, estreita, curta e com várias ondulações, o que fazia o avião sacolejar apesar dos 500 quilos de mercadoria a bordo. Aos lados e nas cabeceiras da pista havia um grande trecho de floresta devastado, com os troncos de árvores espalhados em todas as direções e chamuscados pelo fogo, para viabilizar a aproximação e o pouso dos aviões. Foi uma experiência única e inimaginável até então e uma grande sensação de alívio ao ver a parada do motor do avião, para descarregá-lo rapidamente e voar mais duas horas e meia de volta à base em Itaituba. Enquanto descarregavamos o avião, pude ver além do final da pista a parte trazeira de um avião que não parou a tempo e precipitou num declive deixando à mostra só o profundor e o leme direcional.
            De volta a Itaituba, Paulo perguntou-me sobre minha experiência no primeiro voo e avisou-me de que caso eu quisesse, teria outro voo para um  garimpo próximo a Jacaréacanga, uma base aérea já em território amazonense. Naquela noite, jantamos em um restaurante que ficava no centro comercial da cidade, fui alí apresentado a algumas pessoas, entre elas o senhor Lourival Lemos, tambem conhecido por “Rei da voz”, proprietário da Fazenda Crepurí onde  se encontrava os garimpos crepuri,  sem ilha e cuiú-cuiú, alem  das oficinas e de razoável frota de aviões e aínda a criação de gado para abastecer de carne a cidade e  garimpos. Renato disse ao senhor Lourival que eu fora para lá com o intuito de voar e ele prontamente ordenou que disponibilizassem um avião para que eu comessasse a voar imediatamente. Agradeci-o, tendo em mente a remota possibilidade de pilotar um avião naquelas condições fora de padrão. Conheci também naquela noite, no mesmo complexo comercial, um cassino, coisa inédita para mim até então, contudo, já que estava ali, arrisquei a sorte, joguei e perdi alguns parcos cruzeiros, o que era a moeda corrente à época.
            Na manhã seguinte fui apresentado a um piloto o Vanilson Alves, a quem chamavam tambem por “pé”, por ele ter uma  cicatriz muito grande em um dos pés causada por um sério acidente de que fora vítima, ao saltar de paraquedas. Voamos por duas horas e meia até o destino, um vale ladeado por serras e tendo à cabeceira da pista por onde procede os pousos, uma enorme castanheira com seus grandes galhos superiores cortados a motoserra para viabilizar a passagem aos aviões durante os pousos e as decolagens, o que é feito assustadoramente ao passarmos muito próximo pelo quão crítica é a operação no local; além de que nas decolagens só podem estar a bordo o piloto e um passageiro, caso contrário o avião não passa por sobre os troncos da castanheira. Enquanto descarregavamos o avião, solicitaram ao pé, que levasse um senhor que passava muito mal com malária para Itaituba, com o que o pé prontamente concordou, porem disse que me levaria até a base aérea de jacareacanga distante de lá meia hora de voo e lá eu o esperasse porque o avião não sairia daquela pista com tres pessoas a bordo. Após uma hora de espera em Jacareacanga, tempo em que travei batalha com borrachudos, chegaram, o pé e o enfermo, a seguir chegou na caçamba de uma caminhonete uma senhora doente com malária e tres garimpeiros. Voamos por duas horas e meia de volta a Itaituba, sendo que eu e os tres garimpeiros sadios, desembarcamos na cabeceira oposta da pista de pouso para que o piloto não fosse penalizado pelo excesso de passageiros, pela Infraero.
            À minha chegada ao aeroporto meus primos me deram a notícia do acidente com o Florindo, o piloto com quem eu voara no dia anterior, e por sorte não estava com ele no voo, pois a carga do avião que ao pilonar, pressionou-o com o seu assento ao painel do avião, e ele não morreu por pouco, sendo hospitalizado por alguns dias. Fomos ao hospital visitá-lo e eu perguntei-lhe: Você contunuará a voar? Ele respondeu-me: - Assim que tiver alta volto a voar, tenho minha família para sustentar.
            Na cidade, todos os dias deparavamos com com situações inéditas e chocantes, havia duas famílias de rivais nordestinos, poderosos financeiramente que se degladiavam pelo poder econômico e por isso morriam de tempos em tempos, membros de ambas. Certo dia eu e meu primo Paulo, fomos a uma loja de ferragens para comprar uma bomba de poço e na entrada da loja havia um homem trajando um uniforme camuflado como aqueles que usam os soldados do exercito, portando à mostra uma pistola à cintura e um fusil às mãos, a título de defender os proprietários de emboscada inimiga. Em uma das emboscadas, em que assassinaram vários membros da família, entre os mortos estava uma grávida e a seu lado o feto de seu filho morto, retirado do ventre da mãe pelos assassinos.
            Paulo e Renato me contavam que em determinados garimpos, nas barracas dos acampamentos cobertas por lona preta de plastico, onde os garimpeiros dormiam, à noite morriam muitas pessoas por balas perdidas resultado de brigas ou tiros dados a esmo por garimpeiros embriagados. Depois de algum tempo, cavavam valas no interior das barracas como se fossem sepulturas, para que ali pudessem dormir livres do perigo de serem alvejados e mortos.
            Outro tipo de assassinato bárbaro era cometido contra os garimpeiros mergulhadores que tomavam parte nas equipes das barcaças apoitadas no leito dos rios. Nessas barcaças havia todo o equipamento de extração por sucção e peneiramento, com bombas possantes movidas a óleo diesel, tendo mangueira de cerca de 80 milímetros de diâmetro para sucçionar do fundo do rio: areia, cascalho e seixos de onde separavam o ouro quando houvesse. O garimpeiro mergulhador descia ao fundo do rio tendo um peso às costas para que lá pudesse permanecer sem flutuar, e também tinha uma outra mangueira de menor diâmetro que levava ar forçado ao respiradouro além de uma corda presa à cintura pela qual através de pequenos toques em forma de código ele sinalizava aos que estavam a bordo aliviarem-na para a locomoção ou que o puxassem à superfície quando necessário. O grupo a bordo da barcaça, ciente das posses do companheiro em razoável quantidade de ouro, mancomunados em cruel e sórdida ação criminosa, interrompiam o envio de ar para que ele morresse asfixiado ou afogado caso se safasse do respiradouro em situação de desespero, também não atendiam aos toques em código na corda para o içamento e ao contrário cortavam-na para que a correnteza do rio o levasse. Certos da morte do desventurado colega, apossavam-se do ouro e outros pertences de relativo valor e sumiam na mata em direção a outros garimpos distantes dali.
            Certo domingo à tarde vi um cachorro vira latas de porte médio pulando pela rua com somente uma pata dianteira e uma trazeira cruzadas, a cena me deixou penalizado, então o Paulo me disse: - Essa é uma das barbaridades que os garimpeiros embriagados fazem em fins de semana ociosos. A cadeia da cidade fica junto à calçada e as grades com prisioneiros enroscados a elas, como que atores representando aos transeuntes parece não chocar os moradores locais, parece comum como são comuns para nós as vitrines das lojas nas áreas centrais das cidades.
            Às tardes íamos a uma ilha do rio Tapajós a bordo de uma pequena lancha   do Paulo, meu primo, em um bar de propriedade de uma jovem senhora, que lá vivia com seu bebê. Lá tomávamos cerveja e comíamos tira gosto vendo as travessuras de um pequeno macaco que costumava vir beber cerveja à mesa com os fregueses, ele era uma espécie de mascote do estabelecimento.
            Naquele lugar, nem tudo era sobressalto e acontecimentos desagradáveis e tristes, contava meu primo Paulo, entre tantos acontecimentos engraçados, dois ficaram reclusos em minha memória. Certo dia, indo do aeroporto à cidade, distante cercas de tres a quatro quilômetros, havia uma caminhonete parada ao lado da estrada e um caixão com um cadáver sobre a areia e o motorista trocando o pneu da caminhonete. Paulo dirigiu-se ao motorista e perguntou-lhe: - Amigo, o que aconteceu? O outro responde: - Tive que parar para trocar o pneu furado da caminhonete. – E porque você tirou o caixão da caçamba do veículo? – É em respeito ao finado. Paulo saiu rindo sozinho do que vira e  ouvira.
            Num outro dia, no centro comercial da cidade em horário das crianças em idade escolar voltarem para casa com as mães, Paulinho vira, o que não era surpresa às pessoas pelas ruas; animais domésticos de todos os portes, só que nesse dia estavam lá, em meio ao burburinho de pessoas, um casal de equinos copulando tranquilamente no meio da rua para surpresa e deleite dos escolares, que sob puxôes de orelhas e sopapos de suas mães envergonhadas e sob protesto diziam a seus filhos: - Olha pra frente menino e caminha rápido senão vai apanhar!  Paulinho dizia ter rido muito e ria cada vez que nos contava esse incomum flagrante.
            Daquela época só se tem uma certeza, o ouro que saiu daqueles garimpos está espalhado, ornamentando pescoços, orelhas, braços,  mãos, bocas e outras partes da geografia humana de muitas pessoas pelo Brasil e pelo mundo; as histórias, certamente mais tristes que alegres, estão à medida em que o tempo passa, mais raras nas mentes e nos relatos dos seres humanos que la habitaram ou lá estiveram de passagem, remanescentes daquela época de sonhos com a prosperidade, de falência material e humana; e de mim, humilde e breve protagonista daquelas plagas, tenham este pequeno fragmento de História.
Enéas Antonio Pires – Graduado em letras – Português/Inglês

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

ADMIRÁVEL MUNDO CANINO NOVO


Crônica

 Admiráveis são as mudanças de costumes dos brasileiros, impulsionados por outras sociedades, principalmente a européia, em relação a esses maravilhosos seres, os cães. Ao menos nas grandes cidades, os cuidados com a alimentação, saúde e higiene dos animais e limpeza nas vias e logradouros públicos, quando vão aos passeios com seus cães, os brasileiros são exemplares.

Acerca de vinte anos passados quando morei nas vizinhanças de Paris, presenciei vários acontecimentos curiosos e até repugnantes no tocante à relação dos franceses com seus animais. Nas manhãs de domingo, eu me dirigia a pé à feira livre, no centro da cidade de Poissy, distante mais ou menos um quilômetro do hotel em que morava, e no percurso me deparava com grande quantidade de montículos e montões de fezes caninas deixadas em plena calçada, pelo desleixo,  mau costume e falta de educação dos donos daqueles animais, e não raro lá estava pela via, sinais de pedestres desavisados que ao pisar os horríveis dejetos, arrastavam as solas de seus sapatos a título de se desfazerem de tamanho incômodo, deixando rastros tal como pinceladas artísticas de pintura abstrata.

Em outra oportunidade  num sábado à noite, fui junto a alguns amigos a uma festa popular a qual chamavam por “fete des lojes”, parecida com nossas festas juninas,  na cidade de  San German, distante seis quilômetros, e lá rumamos a uma grande barraca de culinária alemã, com longas mesas onde saboreamos joelho de porco com chucrute, ou (Sauerkraute). Numa mesa visinha à nossa havia um casal que aparentava trinta anos de idade e com eles traziam um grande cão da raça pastor alemão, que tomava assento à mesa entre seus donos e degustava a refeição que cuidadosamente lhe serviam, alem de depois da refeição, a mulher ter pedido ao marido que a fotografasse  abraçada ao cão, o que na minha visão de turista tupiniquim, se constituía em exagero jamais visto, o que nos dias atuais não mais me surpreende.

Certa manhã de sábado eu viajava de trem de Poissy a Paris, um percurso de quarenta minutos, e logo que me sentei vi algo curioso e que me fez pensar,... transgredir não é privilégio de brasileiros; à minha frente viajava uma jovem muito bem vestida, portando várias sacolas e em uma delas estava um cãozinho preto que teimava em por a cara pra fora e era empurrado de volta sob protesto de sua dona que o escondia novamente, tendo isso se repetido várias vezes, pelo que deduzi ser proibido transportar cães nos trens.

Entre nós no Brasil, as transformações são lentas porem contundentes e os costumes suplantam regras e leis; me lembro que há anos passados era terminantemente proibido ter cães e gatos em apartamentos, sendo que os transgressores eram sujeitos a penalidades e multas, e hoje há a inconsistente recomendação para que se transporte o cão ou gato no colo e pelo elevador de serviço, e pelo que tenho visto não é cumprido à risca, transportam às vezes o cão pelo elevador social mesmo! Não sou contra isso, afinal o cão é o nosso melhor amigo. Não tardará o dia em que um parlamentar elaborará um projeto de lei criminalizando por preconceito, maus tratos ou o que o valha aos  síndicos de edifícios que insistirem no cumprimento da determinação.

No Brasil, os produtos, serviços e cuidados veterinários, dentários, psicológicos, festas de aniversário, desfiles e concursos de beleza e talhe racial, etc. estão em franca ascensão, um negócio rentável e em expansão.

Retomando a frase “o cão é o melhor amigo do homem”, lembro-me de que em minha infância, houve um episódio digno de registro. Havia no lugarejo, hoje cidade de Juritís, dois amigos inseparáveis: Zé Caetano e Chico Faustino, companheiros de trabalho, de pescarias e outros entretenimentos entre os quais o de beberem juntos nos bares,o que às vezes desvirtuava em conflito e luta corporal, em que certo dia os amigos se desentenderam e Ze Caetano estava em vantagem, surrando o amigo que apelou pelo seu cão “vira latas”, “pega titiu”! gritou Chico aflito, e o animal avançou feroz, mordendo e sacolejando a nádega do agressor que parou imediatamente com a pancadaria, rumando imediatamente para o pronto socorro em busca de cuidados médicos. Devo ressaltar que o episódio não puzera fim à amizade e ainda deu lição de tolerância aos contendores e o respeito de ambos ao cão  herói.

Recentemente, num domingo à tarde, fui à casa de um amigo e colega de trabalho  que fora acidentado, o Claricio, para visitá-lo e enquanto conversávamos sentados no sofá da sala, eis que apareceu com um aspecto triste e cabisbaixo um caozinho de estatura média e corpo delgado, de cor amarelada, chegando onde eu estava cheirou-me timidamente ao que lhe fiz um afago e tentei agradá-lo, porem fez meia volta e foi-se embora. Claricio disse-me que o cãozinho ao vê-lo chegar à sua casa após o acidente, com o rosto coberto por curativos e um braço engessado não pulou em seu colo como era de costume e ficou recluso em seu canto, triste e não comeu nem bebeu durante dez dias, o mesmo periodo em que Claricio não se alimentou pela gravidade de seus ferimentos. À véspera de minha visita, em que Claricio voltou a se alimentar, o caozinho o secundou bebendo e comendo, tendo ficado seriamente enfraquecido fisicamente pelo amor e  apego a seu dono. Eu fiquei comovido e emocionado com o relato do meu amigo.

Eu sempre me emociono muito ao encontrar uma visinha na garagem do estacionamento do condomínio em que moro, ao sair ou chegar encontro-a com seu cãozinho idoso e obeso que sofre de mal cardíaco e ela sabe por informação do veterinário que seu cão não viverá por muito tempo, ela se emociona e chora ao falar nele com a certeza de que vai perdê-lo.

Dia destes o Nelson, meu amigo e colega de trabalho contou-me algo engraçado e que prova mais uma vez o que eu disse sobre os bons costumes dos brasileiros no tocante ao asseio com seus cães nas vias públicas. Nelson é proprietário de um apartamento em Praia Grande, no litoral sul e pra lá vai aos fins de semana em busca de lazer e fazer novas amizades. Num domingo pela manhã uma senhora sua vizinha disse-lhe: - senhor  Nelson, os trombadinhas de Praia Grande não respeitam mais nem as fezes dos cachorros, acredita que eu ia eu pela calçada com meu cachorro e a sacolinha com as fezes dele quando abruptamente apareceu em desabalada carreira um deles que arrancou de minha mão a sacola,  dobrou a esquina e desapareceu. Ainda gritei ao rapaz, isso são fezes de cachorro, é lixo! porem ele não me ouviu, tal o ímpeto da ação delituosa que acabara de praticar. Imagino a frustração dele ao conferir o produto do roubo!

Minha irmã Rosa, falando-me sobre seu convívio com suas duas cadelas, disse ser a Mag, uma labrador já idosa, muito disciplinada, que não faz suas necessidades fisiológicas na rua ou em qualquer lugar que não seja o seu espaço no fundo do quintal em hipótese alguma; já a Nic, uma vira latas, de pequeno porte e mais jovem que a outra e recebe os mesmos cuidados, é completamente indisciplinada e não assimila as lições de adestramento.

Recentemente, uma segunda feira muito fria, às seis horas da manhã, ao descer pelo elevador em direção à garagem, estava um jovem casal de moradores de um andar superior ao meu com seu cão, não sei qual a raça, só sei que tinha porte médio e era branco como uma pluma e tremia muito nos braços da jovem e eu disse-lhes: - ele deve estar com frio, - estava   realmente muito frio. A jovem me disse, não é isso, ele sabe que vai ao pet shop e tem muito medo de lá. Pensei, ... esse cão precisa é de tratamento psicológico, porem creio ser ainda no Brasil, limitado esse cuidado aos cães, ou quem sabe o jovem casal é quem precisa de ajuda psicológica para melhor se relacionarem com seu cão, ou buscarem a ajuda de “O encantador de cães”, Cesar Millan, o mexicano de Culiacán radicado Los Angeles nos Estados Unidos, o fundador do centro de psicologia canina e autor de varios DVDs e livros dedicados à felicidade dos cães e seus felizes proprietários.