CRÔNICA
Os sabiás voltaram
Às quatro horas da manhã, ao acordar, tenho a maravilhosa
surpresa do som melodioso do canto de um sabiá, (Turdus rufiventris) interrompendo
o silêncio da madrugada, entre os galhos de uma sibipiruna. Segundo a crença Tupy, o
sabiá é “aquele que reza muito”. As
árvores que enfeitam as ruas de São Bernardo do Campo são na maioria as sibipirunas,
mas há também as uvalhas, as jambolão, as quaresmeiras e as palmeiras gerivá,
oriundas do Bioma Mata Atlântica; além de outras menos notáveis. Toda essa nomenclatura arbórea me fora
informada gentilmente pelo biólogo e detentor de outros talentos, o meu amigo
José Vieira, durante os anos em que juntos trabalhamos.
Os sabiás irradiam poesia nas
primeiras horas da manhã, em que o negrume do asfalto e o silêncio soturno do
período nos oprimem a alma. O título deste texto é uma retrospectiva a uma
música que fizera muito sucesso, lançada acerca de três décadas passadas, pelo
Trio Parada Dura, intitulada “As andorinhas voltaram”, sendo que as andorinhas
são pássaros migratórios, por isso o verso diz: “As andorinhas voltaram”.
Quando digo que os sabiás voltaram, significa que eles voltaram a cantar, pois
eles são sedentários e têm o período
certo do ano em que cantam e encantam ouvidos e mentes de pessoas que como a
mim os admiram.
A partir do início do mês de agosto
até o final de dezembro eles cantam muito, em
vários e diferentes acordes, sendo que a fêmea canta numa freqüência bem
menor que o macho, diferente de outros pássaros que possuem um único cantar,
invariável. Pelo canto os sabiás secundam os humanos quando querem chamar à
atenção uma mulher, desde exibir os músculos adquiridos em uma academia ou
outro qualquer atrativo que funcione segundo a intuição de cada um; o sabiá
canta para demarcar território e atrair a fêmea para o amor, o acasalamento e a
seguir constroem seus ninhos e criam seus filhotes preparando-os para serem
adultos no próximo ano. Conforme nomenclatura, assim como os papagaios, os
sabiás são fieis por toda a vida, sendo
que só há a separação do casal pela morte de um deles.
Os sabiás têm a plumagem
predominantemente na cor marrom claro, parecido com chocolate, nas costas e de
um alaranjado a vermelho ferrugem na barriga, tanto os machos quanto as fêmeas.
Eles se alimentam de frutos, sementes e
insetos que encontram nos galhos das árvores e no solo entre folhas secas das
florestas ou nos gramados e ainda nos canteiros de flores e nesse particular
eles se diferem dos outros pássaros, pois ciscam como as galinhas em busca de minhocas e
outros insetos, pude observar isso no canteiro de flores de minha mãe, a dona
Rosa, sendo que após a visita dos sabiás ela recolhe a terra que eles jogaram
no piso do corredor, de volta ao canteiro.
Os sabiás são graciosos também
quando caminham pelo solo, eles se movem aos pulinhos intercalados por breves
pausas e agitar frenético e gracioso da cauda. Ano passado, certa manhã eu
caminhava pela calçada de uma rua próxima de onde moro e para feliz surpresa
levantei a vista para o galho de uma sibipiruna e lá estava a mãe, orgulhosa,
na borda do ninho e quatro delgados pescoços em riste rumo ao infinito sendo
alimentados, fiz uma foto com o celular e senti ter ganho o dia. Esses pássaros
me encantam desde os meus oito anos de
idade, era novembro, fim do meu segundo ano escolar, ao subir ao topo de uma
mangueira em busca das primeiras mangas que amadureciam, descobri um ninho com
quatro filhotes, e ao me aproximar escancararam os bicos, na expectativa de que
a mãe se aproximava para alimentá-los, se enganaram e eu sabendo estarem
famintos, amassava as formigas doceiras que passeavam pelos galhos da mangueira
e as depositava direto nas gargantas dos filhotes até que a mãe aparecia com
piados lamentosos e ameaçadores e me expulsava mangueira abaixo.
Em sendo o sabiá o nosso personagem,
não podemos nos esquecer do poeta Gonçalves Dias, quando em seus amargos dias
no exílio, escrevera o celebre e inesquecível poema que iniciava pelos
seguintes versos: “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá; As aves, que
aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá”.
Enéas Antonio Pires