CRÔNICA
A praça e o tempo
Há algum tempo tenho me sentido
persuadido a escrever sobre a praça Lauro Gomes, logradouro na área central da
cidade de São Bernardo do Campo, espaço amplo, quase plano, de formato
retangular, que soma aproximadamente
cinco mil metros quadrados e de cuja data de inauguração não tenho notícia. No
centro da praça há um busto em bronze de Wallace Cochrane Simonsen, homenagem por ter sido ele o restaurador da
autonomia do município, datada de
11/01/1945. A partir do ano de 1955,
Lauro Gomes, que exercera dois mandatos, passou a ser prefeito da cidade e
nesse período, uma de suas realizações fora a construção da praça que leva o
seu nome. Nos dois lados mais amplos da praça estão: a rua Marechal Deodoro, a
principal da cidade, por ser eminentemente comercial e rua Marechal Rondon, que
dá frente para o colégio Estadual Maria Iracema Munhoz.
Conheci a praça no início do ano de 1970, no alvorecer
de minha juventude, ao migrar de minha cidade natal em busca de bom emprego,
estudar e lutar por melhores condições de vida. Muita coisa mudou desde então,
os costumes, a cultura popular, também a natureza mudou para melhor, a saber, onde a mão do homem não atuou para depreciá-la.
A vegetação da praça nesta primavera está exuberante; os gramados, as árvores
de grande porte, como as sibipirunas com seus galhos e troncos; generosos
hospedeiros às epífitas, vegetação variada que recobre completamente galhos e
troncos como se fora um tapete, sem contudo parasitar a hospedeira; além de
tantas outras árvores frondosas e bonitas das quais não me lembro do nome, além
das palmeiras gerivá, e a popularmente chamada por coquinho doce; e ainda as
frutíferas como: amoreiras, pitangueiras,
abacateiros, mangueiras, jaqueiras e goiabeiras, estas neste ano
produziram muitos frutos, para o deleite de alguns pássaros como os assanhaços,
sabiás e outros. Emocionante quando ao caminharmos ao lado da praça e vermos no
gramado interno, do outro lado da grade de ferro que cerca completamente a
praça, o João de barro com bolotas de barro no bico para sua construção ou um
inseto para alimentar seus filhotes. Na tarde de ontem, vi um sabiá aos
pulinhos pelo gramado com uma minhoca se contorcendo em seu bico, certamente
seria a refeição de sua ninhada. Em cada face da praça há um grande portão que
permanece aberto durante o dia e é fechado a cadeado no final da tarde para
evitar o vandalismo durante a noite, pois antes que a praça fosse cercada, fora
flagrada pela polícia, uma moradora de rua, seminua tomando banho na fonte, de
formato cilíndrico com um possante chafariz, do qual jorrava jatos de água
multicolorida nas noites de outrora.
O que embelezava a praça e trazia
conforto e lazer aos seus frequentadores, hoje está em ruína, a fonte está seca
há anos, as instalações subterrâneas da fonte e chafariz tiveram seu acesso
fechado por grades de ferro e cadeado e
dos dois lados da porta de acesso há várias e arrepiantes tocas que abrigam as
ratazanas. Dentre os bancos de concreto e granito, que são muitos, e confortáveis,
de perfis curvilíneos, e traziam anúncios de patrocinadores nos encostos, cinco
deles tiveram suas bases de sustentação quebradas por corrosão pelo tempo ou
por vandalismo; encontram-se hoje de borco sobre o gramado, como que alguém com
vergonha, a esconder dos passantes, o rosto.
No entorno da fonte, tendo ao lado
um pedestal com alto falante e amplificador de som, material de trabalho de um
cidadão de aparência humilde, que lá está todos os dias a vender CDs de música gospel e pregando o evangelho
de maneira amadorística, há um pedestal de concreto em ângulo de 45º o qual
sustenta uma placa de bronze com os dizeres:
“FONTE PRINCESA IZABEL A REDENTORA”
A beleza e os encantos da praça é
também maculada pela grande quantidade
de barracas e carrinhos de vendedores ambulantes que obstruem muito dos espaços
das alamedas e também a freqüência de alguns desocupados aos quais há que se
ter cuidado com a proximidade; estelionatários oferecendo variado produto de
roubo, outros que subtraem aparelhos celulares aos distraídos e até prostitutas
oferecendo favores sexuais aos passantes.
Dos costumes, os quais mencionei no
início, há dois remanescentes, que de algum modo traz certo charme aos
românticos que os vivenciaram àquele tempo e aí estão para testemunhá-los. Falo
aqui dos engraxates, que hoje estão quase em extinção pelo fato de que quase
toda a população usa tênis, das crianças aos idosos. Conheci nos anos setenta,
um engraxate, aparentando uns cinquenta anos de idade, ao qual chamavam por
Zezinho, um mulato de baixa estatura, usava chapéu de tecido e estava todos os
dias na esquina da rua Marechal Deodoro com a Tenente Sales, na lateral da
praça, muito querido pelos comerciantes e público em geral, que passavam todos os
dias para ouvir dele grandes gargalhadas, provocadas por piadas que a ele
contavam providencialmente. Zezinho morrera, não me ocorre a data. Hoje, no mesmo local há dois engraxates, um
homem e uma senhora; um pouco adiante, além da esquina, pela Marechal, há
outro, os três aparentam ter em torno de cinquenta anos ou mais. Outra
atividade que persiste na rua Marechal junto às grades da praça e pode ser
visto por quem por ali passa são as ciganas, a oferecerem-se para ler as mãos
dos incautos, numa alusão a preverem o futuro e a sorte, sob pagamento;
ostentando seus vestidos rodados e longos além de extravagantemente coloridos;
trazem também muita bijuteria pelos braços mãos, pescoço, orelhas e ouro nos
dentes; exibem fielmente o mesmo estereótipo que vislumbrávamos a mais de
quatro décadas.
O que não tenho mais visto na praça
é o vendedor de óleo de peixe Piraquê, o peixe elétrico, esse óleo, segundo o
seu vendedor, combatia dores reumáticas, vinha em um pequeno vidro na cor
marrom, com cerca de 100 mg de conteúdo, com um rótulo e inscrições em preto e
branco; o vendedor abria uma enorme mala e dela tirava o produto que acomodava
sobre um tapete e também o maior atrativo e chamariz da freguesia, um enorme
lagarto teiú, que permanecia imóvel e indiferente à curiosidade dos
circunstantes em burburinho, tal era a novidade. Rio ainda hoje ao lembrar das
noites nos fins de semana em que íamos à praça, era costume dos jovens
postarem-se ao lado das alamedas da praça enquanto as moças davam voltas de
braços dados umas às outras para serem vistas pelos expectadores atentos. Certa
noite estávamos na praça, eu e um grupo de amigos, moradores em pensões localizadas na vila Gonçalves e
dentre o grupo um se destacava, por ser muito brincalhão, o Mauro Gabriel.
Duas
jovenzinhas de cerca de dezoito anos de idade, irmãs gêmeas, eram conhecidas de todos, pois
vendiam bananas pelas ruas com cestas,
daquelas feitas de bambu, em cada uma das mãos, oferecendo de porta em porta. Certa
noite, ao passarem as duas irmãs pelo nosso grupo, o Mauro Gabriel disse em voz
alta: “Olha as bananeiras”, ao que imediatamente, a mais espevitada delas
mirou-o frente a frente e respondeu-lhe: “Bananeira é a P.Q.P.”; rimos a todo o
pulmão, todos entre os amigos e também aqueles que estavam por perto e
entenderam o ocorrido, inclusive o protagonista do episódio hilário, sem se
abater com a surpreendente resposta. Imagino que se daqui a quatro ou cinco
décadas, alguém que conheceu a praça há
pouco ou a está conhecendo agora, terá a iniciativa de fazer uma retrospectiva,
e que diferenças e semelhanças relatará, assim como o faço agora; quem estará
ali para testemunhá-la ? Só o tempo, o
dirá!
Enéas Antonio Pires
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