quinta-feira, 26 de novembro de 2015

CRÔNICA

A praça e o tempo

            Há algum tempo tenho me sentido persuadido a escrever sobre a praça Lauro Gomes, logradouro na área central da cidade de São Bernardo do Campo, espaço amplo, quase plano, de formato retangular, que soma  aproximadamente cinco mil metros quadrados e de cuja data de inauguração não tenho notícia. No centro da praça há um busto em bronze de Wallace Cochrane Simonsen,  homenagem por ter sido ele o restaurador da autonomia do município,  datada de 11/01/1945. A partir do  ano de 1955, Lauro Gomes, que exercera dois mandatos, passou a ser prefeito da cidade e nesse período, uma de suas realizações fora a construção da praça que leva o seu nome. Nos dois lados mais amplos da praça estão: a rua Marechal Deodoro, a principal da cidade, por ser eminentemente comercial e rua Marechal Rondon, que dá frente para o colégio Estadual Maria Iracema Munhoz.
            Conheci  a praça no início do ano de 1970, no alvorecer de minha juventude, ao migrar de minha cidade natal em busca de bom emprego, estudar e lutar por melhores condições de vida. Muita coisa mudou desde então, os costumes, a cultura popular, também a natureza mudou para melhor, a saber,  onde a mão do homem não atuou para depreciá-la. A vegetação da praça nesta primavera está exuberante; os gramados, as árvores de grande porte, como as sibipirunas com seus galhos e troncos; generosos hospedeiros às epífitas, vegetação variada que recobre completamente galhos e troncos como se fora um tapete, sem contudo parasitar a hospedeira; além de tantas outras árvores frondosas e bonitas das quais não me lembro do nome, além das palmeiras gerivá, e a popularmente chamada por coquinho doce; e ainda as frutíferas como: amoreiras, pitangueiras,  abacateiros, mangueiras, jaqueiras e goiabeiras, estas neste ano produziram muitos frutos, para o deleite de alguns pássaros como os assanhaços, sabiás e outros. Emocionante quando ao caminharmos ao lado da praça e vermos no gramado interno, do outro lado da grade de ferro que cerca completamente a praça, o João de barro com bolotas de barro no bico para sua construção ou um inseto para alimentar seus filhotes. Na tarde de ontem, vi um sabiá aos pulinhos pelo gramado com uma minhoca se contorcendo em seu bico, certamente seria a refeição de sua ninhada. Em cada face da praça há um grande portão que permanece aberto durante o dia e é fechado a cadeado no final da tarde para evitar o vandalismo durante a noite, pois antes que a praça fosse cercada, fora flagrada pela polícia, uma moradora de rua, seminua tomando banho na fonte, de formato cilíndrico com um possante chafariz, do qual jorrava jatos de água multicolorida nas noites de outrora.
            O que embelezava a praça e trazia conforto e lazer aos seus frequentadores, hoje está em ruína, a fonte está seca há anos, as instalações subterrâneas da fonte e chafariz tiveram seu acesso fechado por grades de ferro  e cadeado e dos dois lados da porta de acesso há várias e arrepiantes tocas que abrigam as ratazanas. Dentre os bancos de concreto e granito, que são muitos, e confortáveis, de perfis curvilíneos, e traziam anúncios de patrocinadores nos encostos, cinco deles tiveram suas bases de sustentação quebradas por corrosão pelo tempo ou por vandalismo; encontram-se hoje de borco sobre o gramado, como que alguém com vergonha, a esconder dos passantes, o rosto.
            No entorno da fonte, tendo ao lado um pedestal com alto falante e amplificador de som, material de trabalho de um cidadão de aparência humilde, que lá está todos os dias  a vender CDs de música gospel e pregando o evangelho de maneira amadorística, há um pedestal de concreto em ângulo de 45º o qual sustenta uma placa de bronze com os dizeres:
 “FONTE PRINCESA IZABEL A REDENTORA”
            A beleza e os encantos da praça é também  maculada pela grande quantidade de barracas e carrinhos de vendedores ambulantes que obstruem muito dos espaços das alamedas e também a freqüência de alguns desocupados aos quais há que se ter cuidado com a proximidade; estelionatários oferecendo variado produto de roubo, outros que subtraem aparelhos celulares aos distraídos e até prostitutas oferecendo favores sexuais aos passantes.
            Dos costumes, os quais mencionei no início, há dois remanescentes, que de algum modo traz certo charme aos românticos que os vivenciaram àquele tempo e aí estão para testemunhá-los. Falo aqui dos engraxates, que hoje estão quase em extinção pelo fato de que quase toda a população usa tênis, das crianças aos idosos. Conheci nos anos setenta, um engraxate, aparentando uns cinquenta anos de idade, ao qual chamavam por Zezinho, um mulato de baixa estatura, usava chapéu de tecido e estava todos os dias na esquina da rua Marechal Deodoro com a Tenente Sales, na lateral da praça, muito querido pelos comerciantes e público em geral, que passavam todos os dias para ouvir dele grandes gargalhadas, provocadas por piadas que a ele contavam providencialmente. Zezinho morrera, não me ocorre a data. Hoje, no mesmo local há dois engraxates, um homem e uma senhora; um pouco adiante, além da esquina, pela Marechal, há outro, os três aparentam ter em torno de cinquenta anos ou mais. Outra atividade que persiste na rua Marechal junto às grades da praça e pode ser visto por quem por ali passa são as ciganas, a oferecerem-se para ler as mãos dos incautos, numa alusão a preverem o futuro e a sorte, sob pagamento; ostentando seus vestidos rodados e longos além de extravagantemente coloridos; trazem também muita bijuteria pelos braços mãos, pescoço, orelhas e ouro nos dentes; exibem fielmente o mesmo estereótipo que vislumbrávamos a mais de quatro décadas.
            O que não tenho mais visto na praça é o vendedor de óleo de peixe Piraquê, o peixe elétrico, esse óleo, segundo o seu vendedor, combatia dores reumáticas, vinha em um pequeno vidro na cor marrom, com cerca de 100 mg de conteúdo, com um rótulo e inscrições em preto e branco; o vendedor abria uma enorme mala e dela tirava o produto que acomodava sobre um tapete e também o maior atrativo e chamariz da freguesia, um enorme lagarto teiú, que permanecia imóvel e indiferente à curiosidade dos circunstantes em burburinho, tal era a novidade. Rio ainda hoje ao lembrar das noites nos fins de semana em que íamos à praça, era costume dos jovens postarem-se ao lado das alamedas da praça enquanto as moças davam voltas de braços dados umas às outras para serem vistas pelos expectadores atentos. Certa noite estávamos na praça, eu e um grupo de amigos, moradores em  pensões localizadas na vila Gonçalves e dentre o grupo um se destacava, por ser muito brincalhão, o Mauro Gabriel.
Duas jovenzinhas de cerca de dezoito anos de idade,  irmãs gêmeas, eram conhecidas de todos, pois vendiam bananas pelas ruas com  cestas, daquelas feitas de bambu, em cada uma das mãos, oferecendo de porta em porta. Certa noite, ao passarem as duas irmãs pelo nosso grupo, o Mauro Gabriel disse em voz alta: “Olha as bananeiras”, ao que imediatamente, a mais espevitada delas mirou-o frente a frente e respondeu-lhe: “Bananeira é a P.Q.P.”; rimos a todo o pulmão, todos entre os amigos e também aqueles que estavam por perto e entenderam o ocorrido, inclusive o protagonista do episódio hilário, sem se abater com a surpreendente resposta. Imagino que se daqui a quatro ou cinco décadas, alguém que conheceu a praça  há pouco ou a está conhecendo agora, terá a iniciativa de fazer uma retrospectiva, e que diferenças e semelhanças relatará, assim como o faço agora; quem estará ali para testemunhá-la ?  Só o tempo, o dirá!
                                                                                                                      Enéas Antonio Pires            

                  

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