segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

PÉROLAS SEMANTICAS

Ensaio

            Em publicação de artigo no jornal Folha de São Paulo, do dia 15 de abril de 2007, o historiador Boris Fausto discorre no texto sobre o congelamento e a transfiguração do sentido das palavras na língua portuguesa.
            Primeiramente diz do cidadão português, do qual não cita o nome, somente o sobrenome, Fernandes, que nomeou seu estabelecimento comercial de “Península Fernandes”, por simpatia à palavra “Península”, que não tem nenhuma relação ou similaridade ao referido estabelecimento comercial, pois península é uma porção de terra cercada de água por todos os lados exceto por onde se liga ao continente, eis aqui um caso de transfiguração.
            A seguir cita “comborço”, no congelamento, mas citada no romance de Machado de Assis “Dom Casmurro”, e que equivale hoje o indivíduo amasiado, reles, ordinário.
            Finalmente menciona a palavra “bonde” a qual ao ser transcrita do inglês, “bond”, impresso no bilhete de embarque do veículo de transporte coletivo, já mudou o significado, pois traduzido para o português quer dizer: unir, título, acordo, laço, o que não tem semelhança com o veículo mencionado, faz-se o uso por associação pelo contato cotidiano com a palavra à época, ano de 1870, trata-se então de uma transfiguração. Também associa-se ao “bonde”, o veículo que transportava presos das cadeias ou presídios, e veículos de transporte de conjuntos artísticos e de grupos literários etc.
            Também “bonde” era o jogador de futebol muito limitado, o “perneta”, o “Perna de pau”, mais recentemente o “cabeça de bagre”, pois no ano de 1942 o jogador Leônidas da Silva ganhou essa alcunha por fazer jus a ela, porém num domingo de jogo entre Palestra Itália e São Paulo, time ao qual o jogador pertencia, o locutor que era São Paulino, Geraldo José de Almeida, bradou “Gol do São Paulo”! Diante do gol espetacular marcado pelo Leônidas: “O bonde de duzentos contos de reis marca um gol espetacular de bicicleta”
            Após todas essas variáveis da palavra bonde, registro aqui minha experiência pessoal, isto porque não vi nos anais da prosa e nos textos literários tal menção. Durante as décadas de 50 a 70, período da minha infância,  adolescência, e juventude, quando íamos a passeio à noite à estação esperarmos pelo trem de passageiros das oito horas e após seguíamos até a praça central ao lado da igreja matriz e ali ficávamos a dar voltas no entorno do coreto central.
            A esses passeios noturnos dizíamos: vamos ao “Fut”,  em menção ao “Futting” do Inglês, (caminhar a pé) era comum casais casados e namorados caminharem de braços dados e a isso dizíamos: João e Maria estavam andando de “bonde” ontem à noite na praça da matriz. Portanto, casais caminharem a pé, de braços dados era estarem de “bonde”.
            Em busca de embasamento teórico para a origem da palavra “bonde”, em alusão a mau negócio, o jogador de futebol limitado, etc, encontrei no DICIONÁRIO BRASILEIRO DE FRASEOLOGIA, à página 189, a seguinte explanação: “BONDE”. Comprar um bonde. Levar um logro. Reminiscências de anedota de um mineiro que foi enganado por um espertalhão que lhe vendeu um bonde de companhia de Carriz, Força de Luz do Rio de Janeiro. Cair no conto do vigário. Fazer um mau negócio(TC). Ser ludibriado quando se calculava fazer negócio vantajoso; ser vítima da própria ganância e ingenuidade (ANS). A expressão se originou de uma notícia de jornal, inteiramente fantasiosa, escrita pelo repórter João Mauro de Almeida, no “Diário Carioca”, em maio de 1929, segundo a qual um homem recém chegado de Minas Gerais, José Pestana da Silva, teria comprado a um vigarista, por doze contos de réis, um bonde da Linha Vila Izabel-Engenho Novo, convencido de que ficaria rico dentro de pouco tempo, tal a afluência de passageiros, alguns instalados até nos estribos do veículo. Aceita como verdadeira, tal notícia foi repetida em outros jornais. Tornou-se frequente, como fórmula de recusa a certas propostas, a expressão: Não sou mineiro, nem compro bondes. (RMJ). Dar bonde. Passar drogas em barreiras e em blitz. “Deu bonde, cara, foi tudo limpo, tudo legal” (JBSG). Roubar um homossexual. “Vou dar um bonde nesta bicha” (JBSG). Do tamanho de um bonde. Muito grande. “...com cada letra do tamanho de um bonde” (MLM 82) (TC). Diz-se de coisa volumosa, alta, de grandes proporções (NA).

            Como bem disse Boris Fausto, “os signos tem vida e portanto, nascem, vivem, alguns morrem, ficam congelados ou se transfiguram”, e essas informações são importantes para que não nos percamos ao fazermos uso da nossa língua, principalmente os mais jovens das três ultimas décadas e doravante. 

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