quarta-feira, 16 de março de 2016

CRÔNICA

DIVERSIDADE NO PARQUE DA JUVENTUDE

            Na ultima ida de minha nada disciplinada jornada de caminhadas, intercaladas ao trote, num dos melhores espaços destinados a tal mister e outros mais, trata-se do Parque da Juventude no centro de São Bernardo do Campo, separado do Paço Municipal pela avenida Faria Lima, isso aconteceu acerca de cinco a seis semanas passadas.  Ao mencionar minha indisciplina à frequência das atividades físicas, quero frisar que não é por falta de tempo, pois tempo, infelizmente tenho muito, mas por falta de determinação e devo admitir, preguiça.
            O parque é estruturado para o lazer e entretenimento para pessoas de todas as idades, de um aninho aos cem anos ou mais, sendo que as instalações para a prática do Skate toma em torno de quarenta por cento de toda a área do parque e é considerado um dos maiores e mais modernos da América Latina.
            Para os pequeninos há um mini parque infantil com balanços e outros brinquedos em madeira e corda e piso sintético, para os adultos, uma área de aquecimento e ginástica destinada principalmente aos adeptos das caminhadas e corridas, e ainda no extremo oposto do parque há torres de pedra para a prática assistida de rapel, um palco amplo para shows musicais com amplo espaço para plateias de pé, uma grande pista medindo seiscentos metros de extensão, asfaltada, destinada às caminhadas e corridas, ladeada por cerca viva em arbustos de cor dourada, chamados Pingo de Ouro, permanentemente muito bem podados em formato quadrado. A pista tem cerca de três a quatro metros de largura e é demarcada a cada cem metros em sua extensão, tendo nas laterais muitas e frondosas árvores, palmeiras e flores como azaleias, quaresmeiras e outras. Em todas as alamedas do parque há as cercas vivas de que falei, cuidadosamente podadas.
            Há ainda em estado de deterioração, pelo abandono, instalações do que foi até uns oito anos passados, uma tirolesa com alta torre para embarque e área de aterrissagem, numa extensão de duzentos e cinquenta metros aproximadamente.
            Em uma das faces da pista de skate há uma área livre onde jovens senhoras ocupam para praticar ginástica, com seus equipamentos específicos e personal trainers, vê-se que são pessoas de bom poder aquisitivo; ao lado, na pista de caminhada encontramos adolescentes de ambos os sexos com seus inseparáveis aparelhos celulares e fones de ouvido e jovens, adultos e idosos, a maioria devidamente vestidos e calçados para a prática de caminhadas e corridas, outros, principalmente idosos, com vestimenta e calçados inadequados e um ou outro caminhando com dificuldade e até mancando, infelizmente, o que tem me causado pena.  Há também razoável quantidade de jovens e principalmente adolescentes que para lá se dirigem a fim da paquera e namoro, creio haver mais de uma história de uniões de casais em que o parque tenha sido o palco do primeiro encontro.           O meu tempo de permanência no parque é em torno de uma hora e meia, sendo uma hora de caminhada e trote, distribuído assim: quatrocentos metros em caminhada rápida e os duzentos metros restantes da volta em trote em baixa velocidade; a meia hora final eu me dedico a exercitar abdominais e embaixadas.
            Na parte central do parque, há instalações sanitárias em péssimo estado de conservação, instalações para pronto atendimento em caso de socorro médico e também instalações de administração do parque. Na parte superior, há uma loja de skate e acessórios e também uma lanchonete e outros espaços dos quais não sei a finalidade e ainda acesso ao que fora no passado o embarcadouro para a tirolesa a qual mencionei há pouco.
            Presenciei algo inusitado, quando estava a meia hora de minha caminhada ao cruzar com a alameda de entrada do parque, havia uma pardoca, (fêmea do pardal), entre dois filhotes de Chupim, ambos com o dobro do tamanho da mãe adotiva, numa choradeira característica de filhotes pedindo por alimento e ela como toda boa mãe administrava a súplica com relativa tranquilidade. Para quem não sabe, o chupim é um pássaro de pequeno porte que velhacamente põe seus ovos no ninho de outro pássaro, que inocentemente os choca e cria os filhotes junto aos seus e por seus os considera embora tenham porte e coloração diferentes.
            Ri sozinho, já que há muitos anos presenciara cena semelhante, embora no passado tenha visto isso muitas vezes; e imediatamente vi na natureza incomum e instintiva do chupim, forte semelhança com certos racionais e pensantes seres humanos, espertalhões que ultrajam e ludibriam os seus iguais.
                                                                         
                                                                                                           Enéas Antonio Pires    




domingo, 21 de fevereiro de 2016

CRÔNICA

Ano novo, reminiscências e atualidades.

            Ano novo é dia de celebração, encontros de familiares, parentes e amigos e através deles conquistarmos novos amigos e às vezes propiciarmos novos e duradouros encontros e relacionamentos para toda a vida, quantas histórias terão como ponto de partida esse dia!  Nessa data, todos os humanos despedem-se do ano que finda, desejando e mentalizando que o ano que se inicia seja diferente e melhor em todos os aspectos que norteiam a vida humana. Especificamente nesse ano de 2015, que se finda, não deixará saudades para a esmagadora maioria da população brasileira, pela caótica situação sociopolítica e financeira do país e de seus cidadãos, vítimas de um governo corrupto e incompetente, na verdade, um desgoverno; defensor de uma ideologia populista, do atraso e da perpetuação no poder, em detrimento das instituições e do povo.
            Esta data marca, eu creio, a vida de cada um de nós, num determinado período da vida, ou em mais de um; digo isso porque marcou a minha, aos meus oito anos de idade, eu iniciara naquele ano, 1957, o meu segundo ano escolar. Eu vivia com meus avós maternos, João Bento da Costa e Joaquina Flausina da Costa, em uma chácara de sua propriedade na periferia da pequena cidade de Glicério, na região noroeste do Estado de São Paulo, pois meus pais moravam em fazenda distante, em região desprovida de escolas. Lá permaneci por quatro anos, período correspondente ao quarto ano escolar da época. Naquele tempo, a Ferrovia Noroeste do Brasil funcionava plenamente, eram muitos trens de cargas e de passageiros que passavam diariamente, puxados pelas charmosas, fumegantes e barulhentas locomotivas de origem inglesa, movidas a vapor d’água por combustão de lenha, as “Marias Fumaças”, assim chamadas graciosamente pela população da época. Na pequena e pacata Glicério, (homenagem ao General do Exercito brasileiro, Francisco Glicério, 1846-1916, nascido em Campinas, SP, por ter sido ele importante colaborador na formação da República do Brasil)        daquele tempo, todos se conheciam, desde o proprietário da única indústria da cidade, uma “Serraria” ou Madeireira de grande porte que processava gigantescas toras de peroba vindas do Estado de Mato Grosso; seus funcionários, funcionários da Estação do trem: portadores, manobristas, telegrafistas, o chefe da estação, o senhor Domingos; os poucos comerciantes e toda a população da cidade.
            Eu caminhava radiante ao lado de meu pai, que viera da fazenda com minha mãe e dois irmãos menores, Vera Leila e João Luís, para passarmos o ano novo juntos; íamos para o centro da cidade e a estação do trem era o ponto de parada “obrigatório”, antes de cruzarmos o vale e o riacho rumo ao centro. Meu pai conversava animadamente com dois funcionários da estação e eis que chega o telegrafista Artur Gonzaga Correia,  filho do Bombeiro, como era chamado o responsável pelo abastecimento com água dos reservatórios das locomotivas, o senhor Luiz Gonzaga Correia,  e diante do aspecto de cansaço e cabelos em desalinho do Artur, meu pai disse-lhe: - “ E aí boa vida, que cara enfarruscada é essa”? – “O velho foi”, respondeu Artur. – “Eu sei disso, hoje é ano novo”, retrucou meu pai. – “O velho meu pai faleceu ontem à noite”, enfatizou Artur.  Meu pai surpreso pediu-lhe mil desculpas pelo inesperado e triste fato e fomos ao velório, ante a perplexidade do ocorrido naquele dia de alegrias e comemorações. Esse acontecimento marcou-me de maneira indelével. Bem, os anos se passaram e nenhum outro acontecimento excepcional tomou lugar de destaque em minha memória, que eu me lembre.
            Nos dois últimos anos, comemoramos a data em Caraguatatuba, litoral norte paulista, no condomínio Yatch Club, em companhia de Claudiner e Eliete, compadres, ela irmã de Helena, minha esposa, suas crianças: Caio e Mariana, nós: eu, Helena e André nosso filho de 18 anos de idade. Na véspera do ano novo de 2016, meu concunhado e compadre tinha um passeio a fazer com seu barco, levaria uma família a conhecer várias ilhas no entorno de Ilhabela e esse passeio demandou tempo das nove até às dezesseis horas e por isso resolvemos acompanha-lo até próximo do ponto de embarque e desembarque dos passageiros. Eliete com as crianças, eu e Helena acampamos na praia do Flamengo, uma praia cinematográfica, lindíssima, próxima do saco da ribeira, local de embarque e desembarque dos turistas.
            O dia transcorreu muito bem na praia do Flamengo, aproveitamos a praia, com muitos barcos atracados a certa distancia; comemos e bebemos à sombra de frondosas árvores e não resisti ao ver enormes jaqueiras carregadas de frutos, pedi ao proprietário do local e apanhei três das maiores que encontrei e as levamos para nos  deliciarmos com elas a seguir. Na volta para casa à tarde pude ver por duas vezes ao lado do barco o peixe voador acerca de um metro de altura da água e a uns oito metros distante do barco e em nossa mesma trajetória, para nossa surpresa, pois nunca os tínhamos visto de tão perto.
            Na manhã desse mesmo dia, antes de sairmos para o passeio, fui pro mar próximo do condomínio e retirei um covo, armadilha de arame que deixara de espera na noite anterior, no seu interior estavam cinco enormes caranguejos do mar os quais ao mar os devolvi na tarde do mesmo dia após o passeio de barco.
            Nos intervalos entre a pescaria, o passeio de barco, banhos de mar e passeios pelo bairro, nos acercávamos da churrasqueira e do jogo de truco, regado a cerveja bem gelada, pois o calor era grande; quem não jogava se isolava confortavelmente com seu celular no WhatsApp e outros recursos da internet, algo inimaginável nos idos dos anos 1950, dos meus longínquos oito anos de idade! Qual será a novidade tecnológica daqui a cinco ou seis décadas e quem dos que conosco partilharam  dessa comemoração estará presente para testemunhá-la? Só o correr dos anos mostrará!

                                                                                                     Enéas Antonio Pires        

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

PÉROLAS SEMANTICAS

Ensaio

            Em publicação de artigo no jornal Folha de São Paulo, do dia 15 de abril de 2007, o historiador Boris Fausto discorre no texto sobre o congelamento e a transfiguração do sentido das palavras na língua portuguesa.
            Primeiramente diz do cidadão português, do qual não cita o nome, somente o sobrenome, Fernandes, que nomeou seu estabelecimento comercial de “Península Fernandes”, por simpatia à palavra “Península”, que não tem nenhuma relação ou similaridade ao referido estabelecimento comercial, pois península é uma porção de terra cercada de água por todos os lados exceto por onde se liga ao continente, eis aqui um caso de transfiguração.
            A seguir cita “comborço”, no congelamento, mas citada no romance de Machado de Assis “Dom Casmurro”, e que equivale hoje o indivíduo amasiado, reles, ordinário.
            Finalmente menciona a palavra “bonde” a qual ao ser transcrita do inglês, “bond”, impresso no bilhete de embarque do veículo de transporte coletivo, já mudou o significado, pois traduzido para o português quer dizer: unir, título, acordo, laço, o que não tem semelhança com o veículo mencionado, faz-se o uso por associação pelo contato cotidiano com a palavra à época, ano de 1870, trata-se então de uma transfiguração. Também associa-se ao “bonde”, o veículo que transportava presos das cadeias ou presídios, e veículos de transporte de conjuntos artísticos e de grupos literários etc.
            Também “bonde” era o jogador de futebol muito limitado, o “perneta”, o “Perna de pau”, mais recentemente o “cabeça de bagre”, pois no ano de 1942 o jogador Leônidas da Silva ganhou essa alcunha por fazer jus a ela, porém num domingo de jogo entre Palestra Itália e São Paulo, time ao qual o jogador pertencia, o locutor que era São Paulino, Geraldo José de Almeida, bradou “Gol do São Paulo”! Diante do gol espetacular marcado pelo Leônidas: “O bonde de duzentos contos de reis marca um gol espetacular de bicicleta”
            Após todas essas variáveis da palavra bonde, registro aqui minha experiência pessoal, isto porque não vi nos anais da prosa e nos textos literários tal menção. Durante as décadas de 50 a 70, período da minha infância,  adolescência, e juventude, quando íamos a passeio à noite à estação esperarmos pelo trem de passageiros das oito horas e após seguíamos até a praça central ao lado da igreja matriz e ali ficávamos a dar voltas no entorno do coreto central.
            A esses passeios noturnos dizíamos: vamos ao “Fut”,  em menção ao “Futting” do Inglês, (caminhar a pé) era comum casais casados e namorados caminharem de braços dados e a isso dizíamos: João e Maria estavam andando de “bonde” ontem à noite na praça da matriz. Portanto, casais caminharem a pé, de braços dados era estarem de “bonde”.
            Em busca de embasamento teórico para a origem da palavra “bonde”, em alusão a mau negócio, o jogador de futebol limitado, etc, encontrei no DICIONÁRIO BRASILEIRO DE FRASEOLOGIA, à página 189, a seguinte explanação: “BONDE”. Comprar um bonde. Levar um logro. Reminiscências de anedota de um mineiro que foi enganado por um espertalhão que lhe vendeu um bonde de companhia de Carriz, Força de Luz do Rio de Janeiro. Cair no conto do vigário. Fazer um mau negócio(TC). Ser ludibriado quando se calculava fazer negócio vantajoso; ser vítima da própria ganância e ingenuidade (ANS). A expressão se originou de uma notícia de jornal, inteiramente fantasiosa, escrita pelo repórter João Mauro de Almeida, no “Diário Carioca”, em maio de 1929, segundo a qual um homem recém chegado de Minas Gerais, José Pestana da Silva, teria comprado a um vigarista, por doze contos de réis, um bonde da Linha Vila Izabel-Engenho Novo, convencido de que ficaria rico dentro de pouco tempo, tal a afluência de passageiros, alguns instalados até nos estribos do veículo. Aceita como verdadeira, tal notícia foi repetida em outros jornais. Tornou-se frequente, como fórmula de recusa a certas propostas, a expressão: Não sou mineiro, nem compro bondes. (RMJ). Dar bonde. Passar drogas em barreiras e em blitz. “Deu bonde, cara, foi tudo limpo, tudo legal” (JBSG). Roubar um homossexual. “Vou dar um bonde nesta bicha” (JBSG). Do tamanho de um bonde. Muito grande. “...com cada letra do tamanho de um bonde” (MLM 82) (TC). Diz-se de coisa volumosa, alta, de grandes proporções (NA).

            Como bem disse Boris Fausto, “os signos tem vida e portanto, nascem, vivem, alguns morrem, ficam congelados ou se transfiguram”, e essas informações são importantes para que não nos percamos ao fazermos uso da nossa língua, principalmente os mais jovens das três ultimas décadas e doravante.