IMPASSE NO RESTAURANTE A LA CARTE E OUTRAS SURPRESAS
Crônica
Remexendo
anotações de um passado recente a outro remoto há duas décadas, encontrei entre
as recentes uma resposta por e-mail de um saudoso jornalista e cronista a uma
fã, em que discorria sobre os vários tipos de crônicas. Ele iniciou pela
crônica memorialistica, explicando à interlocutora sobre o que ela trata, e
assim foi até a crônica do cotidiano que fala sobre acontecimentos que impactam
a opinião pública em vários sentidos, dependendo do teor do texto.
Ao
folhear minha agenda do ano de 1991, encontrei anotações diárias entre os dias
26 de abril e 26 de julho, período em que morei na França, na cidade de Poissy,
à margem esquerda do rio Sena, distante 25 quilômetros de Paris, tendo como circunvizinhas
as cidades de Nantes, San German e Versailles. A empresa em que eu trabalhava à
época, à qual permaneço até hoje, mandou-me para lá a trabalho, junto a uma
industria automobilística francesa, para participar da montagem de uma grande
máquina, fornecida pela nossa matriz, de origem alemã.
Entre
minhas anotações do cotidiano, algumas me chamaram à atenção, no sentido de
registrá-las, como crônica memorialistica pelo teor surpreendente e cômico do
acontecido. Eu vivia só, em um hotel simples cujo preço da diária correspondia
às minhas ambições econômicas, pagava 100 francos pela diária, o que me
permitia economizar dinheiro suficiente para quitar o consórcio de um carro
novo, que começara a pagar no ato da viagem.
Logo
no início, pesquisei os preços e cheguei à conclusão de que comendo no jantar,
três lanches de um popular fast food, eu dispenderia a metade do que com um
prato, em qualquer restaurante “A la carte”. Determinei que a partir de então,
meus jantares dos domingos às sextas feiras seriam no fast food e somente aos
sábados iria jantar em restaurantes, tal disciplina era em prol do investimento
do qual já falei.
Num
certo sábado de verão europeu, após ficar sentado em um banco de mármore pos
horas à margem do Rio Sena, vendo pessoas de todas as idades a pescar, e no
leito do rio barcos e lanchas luxuosos navegando rumo a Paris e de lá saindo,
até que me lembrei de ir à lavanderia onde havia excelentes máquinas de lavar a
quente e secadoras, alem de sala de espera com revistas e música de boa
qualidade.
Assim
que me sentei e comecei a folhear uma revista, sentou-se um francês próximo de
onde eu estava e começou a assoviar a nossa “Aquarela Brasileira”, de autoria
de Heitor Villa Lobos. Pedi-lhe licença e perguntei sobre a música e de como a
conhecera e ele respondeu-me que conhecia o Rio de Janeiro, onde estivera por
várias vezes e que amava o Brasil e nossa música. Senti um misto de alegria, e
angustia, ao saber que nossa música era apreciada por pessoas do primeiro
mundo, e ao lembrar que ainda permaneceria por um longo tempo por lá.
À
noite do mesmo sábado fui a um restaurante “A la carte”, do qual não me lembro
do nome, localizado no centro da cidade, por onde caminhei lentamente,
admirando a beleza das flores nos canteiros das ruas e alamedas. O restaurante,
instalado em uma daquelas casas antigas com altas e pesadas portas e janelas,
com um ambiente interior muito acolhedor, com vários cômodos repletos de
comensais.
Entrei
e imediatamente acercou-se de mim um garçom ostentando um vasto bigode e
educadamente, falando Francês, conduziu-me a uma mesa com dois lugares e a
seguir entregou-me o menu com vastas e coloridas opções de pratos. Sentei-me e
comecei a folhear o menu a procura de um prato com carne bovina, porem, o menu
só trazia o nome dos pratos em francês, o que me trouxe incômodo imediato, não
aprecio carnes de carneiro e cabrito e tinha a necessidade premente de saber
ser ou não bovina a carne do prato ao qual escolhera.
Prontamente
o garçom de bigodes se aproximou disposto a ajudar-me, porem só falava Francês
e eu perguntava-lhe em Inglês e então se estabeleceu um impasse. O que eu
queria saber era pouco, mas, falávamos línguas diferentes, até que um francês
magro e alto, o proprietário do restaurante acercou-se com o intuito de
ajudar-me, todavia ele também só falava o Francês e o trio que completamos sem
a menor chance de entendimento começou a chamar à atenção todos os comensais
presentes, surpresos e achando graça do impasse. Eu já estava prestes a perder
a paciência e ir embora, envergonhado e admirado por não haver ali entre tantos
franceses, um só que falasse o Inglês para responder à minha pergunta e eis
que, no tumulto em que se transformara ao redor da minha mesa, o garçom de
bigode pronunciou a sonora, curta e monossilábica palavra: POIS, para aliviar a
tensão em que nos encontrávamos.
Levantei
o indicador na direção do garçom e disse-lhe em bom Português: você disse,
POIS, você fala o Português? “Sim, eu sou português”, respondeu ele, só não
sabia se você era ou não. Inquirí-o a esclarecer-me a dúvida sobre o prato
escolhido ou eu iria embora, enquanto todos os que estavam por perto riam
muito. Terminei minha refeição determinado a não mais voltar àquele restaurante,
sem ao menos perguntar pelo nome do garçom português.
Em
uma noite de sábado, fomos ao restaurante “La Chaumjère”, eu, o Ra com sua
esposa Nil, o Vicente e o Ademir, companheiros de trabalho. Nos acomodamos e
enquanto aguardávamos o pedido falávamos animadamente sobre o domingo em que
iríamos ver a corrida de formula um em Lê mans, cidade não muito distante de
Poissy. Nessa corrida estariam competindo os brasileiros Nelson Piquet e Airton
Sena, este no auge de sua carreira e tinha por grande rival o francês Alain
Prost. Nossa grande expectativa era ver Sena ganhar a corrida no país do seu
maior rival.
Em
uma mesa próxima à nossa havia um grupo de cinco jovens, claramente
interessados na nossa conversa, falávamos português e num certo momento um
deles perguntou-nos de onde éramos, sendo que era filho de português e sabia do
que falávamos, os outros quatro eram franceses curiosos, e usavam-no como
interprete da nossa conversa. O Ra, sem perda de tempo disse ao jovem
português: - diga a seus amigos que nós todos iremos à corrida amanhã torcermos
pelo Prost! Imediatamente o jovem transmitiu o recado aos amigos, que eufóricos
agradeceram, fazendo sinais de positivo com os polegares, porem o Ra emendou...
Diga a eles que torceremos para que o Prost quebre as duas pernas!
Os
ânimos dos jovens serenaram abruptamente, chocados pela surpresa, imaginaram
sermos um grupo de brasileiros bajuladores e tiveram um revés inesperado,
fecharam o cenho e se desligaram por completo do que se passava em nossa mesa.
Terminamos nosso jantar com muita vontade de rir, porem nos contivemos diante
do humor negro e seu efeito.
Na manhã do
dia 26 de julho, após 90 dias, deixei a França, com destino a Goeppingen na
Alemanha, em companhia de meu colega de trabalho Ra e sua esposa Nil, em viagem
que durou cerca de 12 horas num velho Passat alemão, que fora designado
anteriormente ao Ra, pois ele e a Nil vieram de Goeppingen, para Poissy.
A
viagem até Paris transcorreu muito bem, porem lá não conseguíamos encontrar a
saída para Stuttgart, de onde rumaríamos à Goeppingen, pois contra nós havia um
mapa em cópia xerox de péssima qualidade, com escala muito alta, impossível de
interpretá-lo, a dificuldade na
comunicação e a complexidade do sistema viário de Paris agravado por muitas
obras nas vias de saída de Paris.
O
nosso ponto de referência era a Torre Eifel que ficava muito próxima ao final
do nosso trajeto entre Poissy e Paris. Rodamos por umas três horas perdidos,
sempre voltando para próximo à Torre Eifel, nosso porto seguro, pois tínhamos a
certeza, de que ali estávamos próximos de nossa saída, só não sabíamos
encontrá-la.
Finalmente,
um de nós avistou uma grande praça com vasto gramado e sugeriu que rumássemos
para lá, para pensarmos com tranqüilidade em que fazer. Estacionamos ao lado da
praça e ao cabo de dois minutos estacionou atrás do nosso carro o que parecia ser um caminhão
de lixo ou betoneira e então meu colega Ra prontificou-se a dar partida no
carro e sairmos do local, momento em que lhe disse: Ra, os espaços são muito
grandes e não há porque sairmos daqui, deixe-me pedir informação ao motorista
do caminhão! Ra respondeu-me com um palavrão, esses F. D. P. só falam Francês e
vamos ficar na mesma.
Saí
do carro em direção ao motorista e perguntei-lhe, em Inglês, pela saída para
Stuttgart, e ele foi pronto a ajudar-nos porem falava Francês, para aumentar o
nosso nervosismo até que enquanto eu e o Ra falávamos em Inglês o motorista
disse a clássica palavra: POIS, caímos todos na gargalhada e perguntei, você
fala Português? Disse ele, “sim, sou português o pá”.
Nos
apresentamos e obtivemos em Português as informações de que precisávamos,
agradecemos e viajamos o resto do dia, admirando os milharais, os campos de
cevada, trigo e outros cereais, rindo do sufoco por que passamos e da surpresa
com final feliz.
Enéas Antonio Pires – graduado em Letras, Português/Inglês
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