SURPRESAS E CRENDICES
DE FUMANTES À MODA ANTIGA
Crônica
Hoje,
após a Ceia de Natal do ano de 2011, em que nos reunimos na residência do casal
Julian e Carol, ouvimos relatos engraçados de minha cunhada Lucia, uma fumante
à moda antiga. Lucia contou-nos que conheceu seu marido Valdinei numa
circunstância que envolvia o cigarro, não o cigarro trivial que a grande
maioria dos fumantes usa, mas, o palheiro, aquele enrolado na palha da espiga de
milho seco, pelos fumantes da roça ou em papel apropriado e comercializado
juntamente ao fumo picado e desfiado, acondicionado em embalagens de 100 gramas
por industrias tabaqueiras. Lucia disse-nos que desistiu completamente do
cigarro de papel, quando ainda jovem pela circunstância memorável do primeiro
contato com o palheiro.
Ouvimos
dos dois que Valdinei, acerca de duas décadas passadas vivia na cidade de
Cordeirópolis, próximo às cidades de Santa Gertrudes e Rio Claro, e num final
de semana viera a Guarulhos visitar parentes e ao final do passeio rumara à
rodoviária do Tietê onde tomaria o ônibus de volta a Cordeirópolis. Como o
tempo de espera era longo, sentindo vontade de fumar Valdinei procurou um canto
num final de corredor, onde pudesse acender seu palheiro sem incomodar com o
cheiro forte da fumaça, os passageiros que como ele aguardavam a hora do
embarque. Ao encontrar o local ideal, viu num dos últimos guichês de venda de
passagens, a inscrição em tamanho grande no vidro: “São Bernardo do Campo”, foi
o suficiente para despertar-lhe o subconsciente e tocar o famoso sino em sua
imaginação.
Valdinei,
assim como Lucia, era leitor assíduo da revista “Sabrina”, que à época trazia
matérias de interesse dos jovens e na seção de cartas, Lucia publicou com seus
dados pessoais e descrição física, o interesse em encontrar para relacionamento
sério, um namorado com determinados atributos físicos e morais aos quais
Valdinei sentiu-se perfeitamente enquadrado. Enquanto tragava seu palheiro, no
corredor da rodoviária, Valdinei pensou, ... É pra lá que eu vou, e de posse da
passagem foi ao encontro de Lucia, em São Bernardo do Campo onde começou o amor
e o relacionamento duradouro, sem esquecer que para selar o feliz
acontecimento, juntos, em contraponto ao “Cachimbo da Paz”, fumaram, (ela pela
primeira vez), o palheiro da Paz e do Amor.
Certo
dia, acerca de doze anos passados, em que morava com o marido e sua filhinha
Camila, na chácara de seus pais no município de Itanhaem próximo à praia de
Gaivotas, contou-nos ela que certa manhã caminhava pela rua principal de Gaivotas
em direção à praia, fumando um cigarro que acabara de fazer, quando passou
lentamente por ela uma viatura com dois policiais militares a bordo parando a
uns trinta metros adiante. La vem
encrenca, balbuciou Lucia consigo, e foi já abrindo sua bolsa, tirando o pacote
de fumo picado, devidamente embalado com os dados do fabricante e aproximou-se
dos policiais pelo lado direito da viatura.
Com
licença, disse ela aos policiais - senhores, antes que eu seja abordada faço
questão de mostrar-lhes que o que estou fumando não é maconha ou algo ilícito e
sim cigarro de fumo industrializado, veja a embalagem do fabricante. O policial
pegou a embalagem com o fumo remanescente, conferiu, deu um sorriso contido e
devolveu-o a ela, desejando-a um bom dia e seguiu. Lucia caminhou vitoriosa
soltando grandes baforadas pelo ar.
Lucia
contou-nos ainda estar há poucos dias passados à calçada defronte sua casa na
cidade de Santa Gertrudes, acerca de 120 quilômetros de São Paulo, a conversar
com sua vizinha enquanto fumava seu cigarro, quando repentinamente irrompeu na
esquina uma viatura da policia militar com dois policiais a bordo, pondo-a de
sobreaviso. Lucia fez uma pausa na conversa com a vizinha, prevenindo-se para
as explicações de praxe. A viatura parou a poucos metros de onde ela estava e
imediatamente ela rumou para lá, sacando do bolso de seu avental a sua
inseparável embalagem de fumo desfiado, e estendendo aos policiais, que após
conferir o conteúdo devolveu-a despedindo-se com um sorriso contido como de
praxe.
Por
falar em crendices de fumantes e adeptos do tabagismo, há uma de origem
indígena, da qual nunca ouvi relato de veracidade. Contou-me certa vez um
amigo, alguns anos mais velho que eu, ter viajado ao Estado de Mato Grosso a
negócios e nos seus contatos por onde esteve conheceu um cacique de uma tribo
indígena que afirmou ser o fumo remédio infalível no combate à calvície.
Segundo instruções do cacique, pega-se uma quantidade de folhas verdes de fumo,
macerando-as através de qualquer processo e a seguir extrair a essência ou sumo
verde que acondicionado em uma garrafa seja mantido em geladeira e à noite
antes de dormir, untar a área calva com o produto, protegendo devidamente para
que não suje a fronha do travesseiro, repetir o uso por trinta dias. Eu nunca
soube da eficácia desse tratamento.
Crendice
ou experiência de vida? Fui criado no campo e lá vivi até os 21 anos de idade,
e meu pai, que era fumante e levava no bolso canivete, um pedaço de fumo de
corda, palha macia da espiga de milho seco e a binga, uma versão simples do que
hoje é o isqueiro, com o que fazia seus cigarros, aprendeu com os mais velhos a
crendice e internalizou pela experiência de vida que após longa estiada, quando
o fumo de corda umedecia, era prenúncio de chuva sem demora. Na verdade, o
fenômeno é resultado do aumento da umidade relativa do ar que faz com que o
fumo umedeça, e que a chuva está prestes a chegar. A chuva ou precipitação acontece quando a
umidade relativa do ar atinge 100%.
Tivemos
uma surpresa nada agradável, eu e meu irmão João, mais novo que eu, quando
éramos adolescentes, certo dia trabalhávamos na roça no período do alto verão,
e tínhamos a nosso alcance uma mata fechada para onde íamos às vezes descansar
à sombra de uma frondosa imbaúba, árvore que produz minúsculos frutos vermelhos
que são fonte de alimentos a pequenos pássaros.
Meu
irmão, enquanto descansávamos improvisou, usando uma espécie de cará, selvagem,
chamado caratinga, que sobre a terra arada ficava seco e fácil de ser transformado
com um canivete em cachimbo. Ao lado de onde descansávamos tinha uma espécie de
bambu em miniatura chamado popularmente por taquari, cujo gomo foi transformado
no canudo do cachimbo. Um trabalhador diarista que trabalhava para o meu pai
ofereceu-nos o fumo e a binga para acender o cachimbo. Meu irmão foi o primeiro
a ter a terrível surpresa, pois tragou a fumaça do cachimbo até o final e
começou a passar mal do estômago, pálido e a suar muito. Ainda alertou-me a não
fumar.
Não
o obedeci e ao contrário ainda zombei do seu alegado mal-estar, fumando o meu
cachimbo até o final e por meu turno e castigo passei mal tanto quanto a ele.
Tomamos água quase gelada da moringa a pretexto de amenizar o mal-estar e
permanecemos por mais de duas horas deitados à sombra da imbaúba e juramos
nunca mais olharmos para um cachimbo ou fumá-lo mesmo que tivéssemos que
fazê-lo em ritual, daqueles que faziam antigamente os soldados americanos e os
índios, para celebrar a paz.
Enéas Antonio Pires – Graduado em Letras, Português/Inglês.
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