sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O equivoco do doutor Ludovico


O EQUIVOCO DO DOUTOR LUDOVICO



Crônica




Na
distante Guaraporã, cidade do interior de São Paulo, a mais de quinhentos
quilômetros da capital, aconteceu há
poucos dias um fato curioso, que
provocou risos nas rodas amigos: nos bares, nas praças públicas, nos mercados,
nos salões de beleza, nos pesque pagues e onde quer que se reúnam duas ou mais
pessoas. O protagonista desse episódio é o doutor Ludovico, sexagenário, filho
de imigrantes europeus que ali se estabeleceram há mais de cem anos. Doutor
Ludovico é médico, clínico geral na Santa Casa local desde sua formatura na
juventude. Além de ser um dos cidadãos ilustres de Guaraporã, pelo sucesso
profissional e conhecimento na cidade pelos serviços prestados à comunidade,
doutor Ludovico angariou sucesso financeiro suficiente para entre outras
aquisições importantes, tornar-se fazendeiro, a exemplo de seu pai.


Guaraporã,
terra natal do doutor Ludovico, fora fundada no início do século XX,
precisamente no início da primeira década, estimulada pela passagem de uma
ferrovia muito longa, em que a partir da estação do trem iniciou-se a formação
da cidade.


As
atividades socioeconômicas de Guaraporã são: a agropecuária; a atividade
extrativista da borracha, ainda que em pequena escala; criação de aves e
porcos; cultivo da cana de açúcar para a produção do etanol entre outras como
os pesque pagues. Os pesque pagues são a versão moderna de entretenimento dos
adeptos da piscicultura, local onde se encontram durante as semanas os
aposentados e desempregados. Nos fins de semana para lá rumam pessoas de todas
as idades, de crianças acompanhadas dos pais a anciãos.


Doutor
Ludovico tem por “hoby” ir aos pesque pagues
nos dias de folga, finais de semana e feriados, onde além da pescaria, atende
extra oficialmente a um ou outro paciente que o procura para pequenos conselhos
médicos.


Para
satisfazer a vaidade de alguns e a necessidade de outros poucos, há em
Guaraporã, um aeroporto para pousos e decolagens de aviões de pequeno porte,
onde alguns praticam o vôo desportivo através do aeroclube, outros são
proprietários de aviões para atender a demanda dos negócios em outros estados e
na capital. O doutor Ludovico tem também por “hoby” a aviação desportiva, tem
seu avião para seis passageiros, sendo ele mesmo o piloto, quando viaja levando consigo sua família ou
amigos.


No passado recente, pousei naquele aeroporto
com um pequeno avião procedente de uma cidade vizinha acerca de oitenta
quilômetros de distancia, num vôo em que meu primo PCG reservou-me, sabendo que
mesmo com a minha licença de piloto comercial vencida, aquele vôo seria muito
importante para mim. Essa aeronave passaria por revisão em oficina
especializada onde ele era o técnico responsável, credenciado pelo departamento
de aviação civil.


Nesse
vôo de aproximadamente trinta minutos, o proprietário do avião informou-me que
o rumo bússola para o destino seria de tantos graus, não me lembro agora
quantos, porem aos cinco minutos fora, em que deveria iniciar o procedimento de
pouso, ao tentar ver a cidade e os telhados dos angares, vi abaixo brilhando
sob o sol a pino, o grande e majestoso rio que é o orgulho dos paulistas e
personagem dos mais importantes da história do Brasil.


Tive um súbito aviso de perigo, o
rumo bússola não era aquele que me fora informado, porem mantive relativa calma
deixando a margem esquerda do rio às minhas costas voando em ziguezague para a
esquerda e direita até que após uns cinco minutos vi a bonita Guaraporã e o
aeroporto com sua pista de grama onde pousei aquele pequeno monomotor, com a pompa de um comandante de concorde.


Vaidade
pessoal à parte, voltemos ao fato curioso que trouxe muitos risos aos habitantes
daquela pacata cidade. Certo dia, na monotonia de seu consultório, o que é
corriqueiro em Santa Casa
de cidade interiorana, doutor Ludovico devaneava com as prioridades dos
afazeres de proprietário de fazenda, a saber: os cuidados com as cercas de
divisa nos quatro lados, para que seus animais não fugissem para as
propriedades vizinhas e também para que o gado dos vizinhos não invadissem seu
território, além de outros misteres que preenchem o tempo de um fazendeiro. E
num desses breves espaços de tempo em que se viaja no pensamento, eis que
aparece para consulta uma senhora idosa com problemas reumáticos, queixando-se
de muitas dores. Filomena era o nome da paciente, senhora septuagenária, viúva,
que vive sozinha em casa própria, com a pensão que recebe do falecido marido e
algumas economias angariadas ao longo de toda a vida. A senhora Filomena, conta
com o aconchego dos filhos e netos nos finais de semana, para quebrar a
monotonia que é viver só. Ela descreveu minuciosamente suas dores e angustias
ao médico, que impassível aparentava ouvi-la, porem estava absorto entre o
ondular de suas pastagens ao vento, o cheiro e o mugido de suas reses.


Abruptamente,
em sua confortável cadeira, doutor Ludovico como que ao despertar, curvou-se para
frente e prescreveu maquinalmente a medicação à senhora Filomena. Assinou,
carimbou e recomendou-a a fazer uso do medicamento a cada oito horas, porem
nunca fazer uso do remédio com o estomago vazio.


A boa senhora
agradeceu-o, afinal não teve que pagar pela consulta, pois nas Santas Casas as
consultas são gratuitas; dobrou o receituário, colocou-o na bolsa e saiu em
direção à farmácia, a mais antiga e tradicional da cidade, sem imaginar a
dimensão do equivoco de que fora vítima. Chegando à farmácia, o atendente que
era também proprietário do estabelecimento, atendeu-a prontamente, pela sua
idade, pelo conhecimento e amizade de muitos anos.


- Bom dia senhor Osvaldo... Disse a senhora
Filomena ao farmacêutico estendendo-lhe a prescrição com olhos atentos. – Bom
dia, respondeu Osvaldo após pequena pausa, incrédulo com o que acabara de ler naquele
receituário. – A senhora leu esse
receituário?... Não creio que seja o doutor Ludovico o autor desse disparate! –
Eu não sei ler, sou analfabeta, respondeu a boa senhora. – Ouça o que ele está
lhe passando como remédio para suas dores, disse o farmacêutico: Quatro rolos de arame farpado e três quilos de grampo
para cerca!!!


Justiça seja
feita ao doutor Ludovico, exercer a profissão de médico por cerca de quarenta
anos, sem que tenha cometido qualquer erro profissional, esse pequeno engano há
que ser tolerado e esquecido.


A senhora
Filomena disse ao atendente... - É por isso que ele parecia estar no mundo da
lua, não prestava atenção às minhas queixas! Ela automaticamente prontificou-se
a voltar ao consultório do doutor Ludovico, furiosa, ofendida e confusa, caminhando
rapidamente a fim de desfazer a perfídia, enquanto o gado do doutor Ludovico
ruminava preguiçosamente à sombra das ingazeiras.



Enéas Antonio Pires – graduado em Letras,
Português/Inglês.




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