sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O sabiá da metrópole


O SABIÁ DA METRÓPOLE

Crônica



Hoje, no meio
da madrugada, às quatro horas acordei ao
som do gorjeio dos sabiás. Eram vários, no mínimo quatro, cada qual no topo da
fronde de uma árvore. E saibam que sabiá é madrugador, não tem preguiça, é
pontual, não perde a hora de iniciar sua sinfonia, além de que a essas horas
está livre dos predadores de rapina e dos humanos que os queiram ver
engaiolados.

A árvore mais próxima está acerca de oito
metros da janela do meu apartamento, no
terceiro andar, e junto ao farol da alameda. No topo dela estava o mais sonoro
deles, pela curta distancia até seu espectador solitário.

Informei-me
com um amigo que é biólogo e conhecedor de árvores e ele garantiu-me tratar-se
de uma uvalha, que nos meses de Setembro e Outubro frutifica, com belos cachos de frutas parecidas com uvas
minúsculas, alimento apreciado pelos pombos urbanos. As outras árvores,
distribuídas em alguns quintais remanescentes à ambição humana, que ainda não
foram engolidos pelas construções de edifícios, cada qual com seu cantor ao
topo, executando sua melodia.

Sorri de
alegria e meditei, lembrei-me de um provérbio que diz: “nem tudo está perdido”, a natureza reage brava e
surpreendentemente apesar dos seus detratores. Digo isso porque, não fosse os
meses de Setembro e Outubro, em que os sabiás cantam, amam e trazem seus
filhotes à natureza e me fazem acordar feliz com seu canto mavioso, só resta o
cantar dos galos nas madrugadas, para quem tem a felicidade de os
avizinhar. No mais, nas madrugadas dos
outros meses do ano, acordo somente com o som de freadas de ônibus de turismo e
de carretas “siders” que vão abastecer uma multinacional automotiva, fabricante
de ônibus e caminhões nas proximidades.

Os ônibus de turismo saem da rodoviária de São
Bernardo rumo à rodovia Anchieta e estradas do interior de São Paulo. Não quero
dizer que nos meses de setembro e outubro não há barulho de transito, e de
pedestres nas madrugadas, mas que só nesses meses temos o privilégio de sermos
acordados também pelos melodiosos sabiás.

Acordar ao som
dos trinados dos sabiás é impar, em contrapartida, não sei o que é pior, entre
freadas de ônibus, caminhões e música brega em alto volume, pedestres
embriagados nas madrugadas de sábados e domingos, retornando de um salão de
danças localizado na principal via de acesso ao centro da cidade, a proferirem
palavrões inimagináveis. Mas, voltemos aos sabiás, eles estão inculcados em mim
e eu estou impregnado deles desde a minha infância, aos oito anos de idade em
que vivia com meus avós maternos, a estudar no curso primário.

Era uma vasta
e linda chácara, com milharal, canavial, cafezal que ajudei a plantar e cuidar,
pomar com laranjeiras, cajueiros, mangueiras, e uma delas, que era a minha
preferida, não pelo tamanho e exuberância, mas pelo charme, tronco liso e
esguio, uma copada arredondada e bonita. Ah... Ia me esquecendo, o nome da
manga era “peito de moça”, há muitos anos que não vejo mais delas...

Em Outubro e
Novembro, quando as primeiras mangas começam a amadurecer nascem os filhotes
dos sabiás, e sem saber deles, certo dia na minha longínqua infância, ao subir à
copa da mangueira em busca dos primeiros frutos maduros, descobri um majestoso ninho de sabiá, grande, com
musgo verde em toda a sua construção e no seu interior quatro filhotes que
escancaravam seus bicos em minha direção, de olhos fechados ainda, famintos e
confundindo o meu ruido ao de sua mãe ao mais leve toque no ninho.

Eu ficava maravilhado, contemplando a natureza
e sentindo-me dela coadjuvante ao ver que os filhotes tinham fome e eu via a
passear pelos galhos da mangueira grandes formigas, as doceiras, então não
pestanejava, pegando-as entre o indicador e o polegar, e saibam que isso
demanda certo cuidado, soltava-as direto à garganta dos filhotes famintos. Sem
muita demora, era surpreendido pela abrupta chegada da mãe, furiosa, emitindo
um som lamentoso, de guerra, completamente diferente dos seus gorjeios na
madrugada, pela ameaça que eu constituía a seus filhotes, pois ela vinha
alimentá-los. A mãe sabiá expulsava-me mangueira abaixo e com toda a rapidez
que eu conseguia, pelo medo de possíveis bicadas.

O sabiá mesmo antes de cessar sua temporada de canto, o que acontece lá pelo final do mês de novembro, já inicia outra nobre tarefa intuída pela natureza: faz seu ninho, choca seus filhotes e os prepara    para serem os novos cantores do porvir.


Enéas Antonio Pires

Graduado em letras,
Português/Inglês



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